Setembro Amarelo: Como você enfrenta as dificuldades da vida?
Professora de psicologia da Unigranrio explica o que é e como se tornar resiliente
No mês do combate à depressão e campanha de prevenção ao suicídio, Setembro Amarelo, diversos temas sobre saúde mental têm despertado a atenção das pessoas que, após longos anos de reclusão devido à pandemia de Covid19, ainda sofrem com seus efeitos. Apesar dos tempos de inúmeras tragédias, a sociedade, e particularmente os brasileiros, têm se tornado mais individualistas. E essa pode ser uma grande barreira para alcançar a resiliência necessária para enfrentar problemas.
A afirmação vem de uma pesquisa realizada pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e publicada na revista científica “Personality and Individual Differences”. O estudo revela que o medo desencadeado pela realidade da pandemia levou a uma predominância dos valores relacionados à segurança, ao poder e ao hedonismo (ligado ao prazer). Todos eles estão dentro de uma área muito individualista.
Resiliência é um termo da física apropriado pela psicologia. Originalmente, significa a capacidade de uma matéria, após sofrer um impacto, voltar a tua forma original. De acordo com a psicóloga e professora da Universidade Unigranrio, do Grupo Afya, Leila Navarro, conseguimos ser resilientes quando retomamos o nosso equilíbrio.
“Assim como um material só consegue retornar a sua forma original se o material for apropriado para isso, nós precisamos aprender a ser flexíveis quanto a nossa percepção sobre o mundo, para termos condições de, ao sofrer um impacto, conseguirmos compreender, analisar, distinguir e lidar com o problema da forma mais saudável possível”, explicou a professora que também é coordenadora do Núcleo de Experiência Discente (NED) de Duque de Caxias, responsável pelo acompanhamento psicopedagógico do aluno.
Partindo desse conceito, a especialista explica que não há nenhuma outra forma de se tornar mais resiliente sem desenvolver o autoconhecimento, o conhecimento de como se configuram as relações pessoais, as regras sociais, as instituições, e entender de que forma a política, economia e a violência – determinantes sociais – afetam os indivíduos. “Somos influenciadas por um conjunto de fatores. Não adianta tomar remédio, se eu me submeto a violências, ou se eu sofro violência no meu bairro ou no meu trabalho. Eu preciso compreender todas as variáveis que provocam um adoecimento e um desequilíbrio”, completou.
Segundo a professora, a sociedade precisa ser entendida como uma dinâmica, que envolve todo um conjunto de influências. O conhecimento sobre esses aspectos é o único caminho possível de lidar bem com todos os enfrentamentos da vida. É preciso atentar, todavia, para o fato de que as dificuldades surgem, mas não há cobrança que faça com que um indivíduo viva uma vida de enfrentamento apenas.
“Diante de uma situação difícil, vamos adotar comportamentos que estão no nosso repertório, e que nem sempre é o mais indicado. Se eu tenho um repertorio de violência, eu vou reagir com violência. O ideal é desenvolver recursos e respostas para lidar com os problemas no dia a dia. Se tenho problema para comunicar o meu sentimento, eu preciso buscar desenvolver isso”, acrescentou a psicóloga.
Em um exemplo de seu cotidiano, a professora afirma que é comum acompanhar alunos que se matriculam em cursos, e na medida em que aparece uma série de compromissos, interações, e responsabilidades, se desequilibram diante de uma avaliação. De acordo com a docente, o problema não está na avaliação, mas na falta de recursos para lidar com tudo junto. E quando ela fala em recursos, não está falando apenas de recursos psicológicos.
Navarro lembra que durante a pandemia, viveu melhor quem possuía condições financeiras, físicas e emocionais – de uma rede de apoio familiar e de amigos – para lidar com o período difícil. “É preciso fazer uma autoanalise para entender onde está a falha e o que pode ser feito para resolver. Perceber e ter atitude de mudança. A gente precisa desenvolver respostas e isso dá trabalho”, comentou, completando: “A gente nunca deve, na psicologia, responsabilizar somente o indivíduo”.
Millenials e inteligência emocional
Leila afirma que sempre vai existir diferenças entre as gerações, uma vez que cada uma tem um conjunto de valores e princípios, moral, limites e potencialidades diferentes. Por isso, o funcionamento psicológico também é acionado de forma diferente. É o externo que aciona nossos recursos, e cada momento histórico possui recursos diferentes.
A geração que praticamente nasceu com os computadores, internet, smartphones, viu as redes sociais atingirem seu ápice, e testemunharam o fluxo intenso global de informações teve mais anos de educação e de composição diversa, do que seus antepassados. Por outro lado, pesquisas internacionais revelam que os millenials (entre 26 e 40 anos) são mais propensos a ter dívidas e desenvolver altos níveis da síndrome de burnout.
“Somos seres coletivos, contamos com relações de confiança e apoio. Quando perdemos o senso de coletividade, acreditamos que não precisamos do outro. Se eu não tenho apoio coletivo, eu tenho mais demandas e isso é muito bom para o capitalismo que cria um produto que vai atender a essas novas demandas. Quanto mais individualista, mais estamos escravos de um consumo. Só que todo produto de consumo tem uma obsolescência programada, ou seja, logo mais vai surgir um vazio. E isso também alimenta a intolerância. Não tolero aquilo que me traz um desconforto, e que é comum em uma sociedade coletiva”, explicou Navarro.
É normal haver um bloqueio emocional em momentos difíceis. O homem é um ser instintivo, e vai sempre buscar uma forma de defesa. Esse corpo vai sempre preferir situações confortáveis. Estresse excessivo aciona uma carga de hormônios que faz muito mal para a saúde. É um sentimento muito adoecedor.
“Para gerenciar isso, precisamos de autoconhecimento e conhecimento sobre os outros. A gente não gerencia o que a gente não conhece. Sinais de bloqueio aparecem quando as coisa não fluem na vida, quando não conseguimos estabelecer relações saudáveis, nosso medo é excessivo, não conseguimos sentir alegria, começamos a evitar de trabalhar, de estudar, de estar com as pessoas, de me cuidar, de me perceber como uma pessoa capaz. Evito fazer planos, ou seja, evito viver”, alertou.
De acordo com a especialista, é preciso permitir o erro, inclusive como forma de desenvolver o próprio repertório de recursos para lidar com problemas posteriores. Mas mais do que isso, trabalhar essa inteligência emocional se perguntando: “Como que eu respondo as dificuldades da vida? Como está a minha tolerância para pessoas?” – tema da palestra realizada no dia 13 de setembro, para alunos da Universidade. É um exercício diário pensar sobre o próprio comportamento.